Estão expostas 60 obras, que vão das pinturas à busca pelo sensorial dos penetráveis e bólides
FORTALEZA – A maior parte dos 42 anos vividos pelo artista visual Hélio Oiticica, falecido em 1980, foi dedicada a dissolver os limites da experiência artística. Quando percebeu as formas geométricas alinhadas dentro da tela, ele passou a se interessar por desenhos tremeluzentes e tensos, prestes a abandonar a moldura; em um outro momento, as formas cedem e saltam da tela para o espaço, em uma desconstrução tridimensional da pintura. Mais à frente, as preocupações estéticas importam menos do que a participação ativa do espectador: a potência transformadora, ele percebe, está nas experiências sensoriais que permitem ao público assumir o protagonismo da obra de arte.
O inventivo percurso do autor carioca foi alinhado na exposição “Hélio Oiticica – Estrutura Corpo Cor”, que estreou há três semanas no Espaço Cultural Airton Queiroz, na Universidade de Fortaleza (Unifor), no Ceará. A retrospectiva reúne cerca de 60 obras que redesenham com vigor o desenvolvimento artístico do criador, desde os tempos das primeiras pinturas bidimensionais, vinculadas ao grupo carioca Frente, às investidas mais ousadas de sua busca pela sensorialidade, como os penetráveis e os bólides. A curadoria é assinada pelos pesquisadores Celso Favaretto e Paula Braga, ambos autores de livros sobre o vanguardista.
Um incêndio na casa onde ficava guardado o acervo de Oiticica, no Rio de Janeiro, em 2009, não foi um empecilho para a concretização da mostra. À época, a imprensa noticiou a destruição de 90% das pinturas, esculturas e instalações do artista, número que é contestado pelos curadores. “Muitas das obras foram recuperadas e reunidas para a mostra, outros trabalhos que estão aqui foram refeitos, seguindo com rigor as instruções minuciosamente detalhadas pelo artista, cujas centenas
de anotações já haviam sido digitalizadas antes do incêndio. O trabalho de Hélio não consiste na obra de arte em si, mas na força de suas propostas”, pontuou Paula.
A retrospectiva expõe uma fatia generosa da produção de Oiticica. No ambiente inicial, estão dispostas as telas mais comportadas do autor, mas que já apontavam para a busca por uma nova configuração entre cor e forma. Ao lado, obras da série “Metaesquemas”, com os desenhos “perturbados” que, na sala seguinte, transbordam às telas em esculturas geométricas vigorosas. O percurso leva ao penetrável “Macaleia” (1978), um gradeado com chão de areia em homenagem ao músico Jards Macalé, que expõe a negação do artista pela sacralização dos espaços expositivos tradicionais, como a própria galeria que agora o abriga. Para ele, o lugar das obras não é nas paredes brancas desses espaços legitimados pelo sistema artístico, mas sim na rua, para as pessoas.
Ainda há outro penetrável na mostra: “Gal” (1969), uma espécie de instalação acortinada, preenchida por centenas de filamentos de plástico azuis que cobrem quase todo o corpo do visitante. A obra parece ser um convite para se experimentar as sensações que a homenageada, Gal Costa, despertava no artista nas performances psicodélicas que protagonizava na virada dos anos 1960 para os 1970. A instalação era um pré-requisito para se entrar em “Deixa Sangrar”, espetáculo da baiana que teve cenografia assinada por Oiticica. Das pesquisas sensoriais do autor, ainda estão expostos diversos bólides, estruturas de vidro que têm como foco não as tintas, mas os pigmentos que as originam, como modo de permitir experimentações táteis e olfativas das cores.
Em outro ambiente, ao som de canções tropicalistas, o público é convidado a vestir réplicas de parangolés. Em geral vistas na forma de capas, essas vestes foram concebidas por Oiticica como maneira de se experienciar a potência dos corpos dançantes, conceito formulado por ele após conhecer os sambistas da Mangueira. Ao lado, metros de tecidos coloridos e alfinetes estão à disposição dos visitantes para criarem suas próprias peças e executarem a performance “Parangolé – Faça Você Mesmo”. A ação, executada duas vezes no Recife pelo próprio artista, em 1980, é detalhadamente explicada em um texto manuscrito reproduzido na mostra.
De acordo com Paula Braga, os espaços da exposição foram pensados a partir da ideia de libertação dos comportamentos e das aberturas para outras dimensões de experiência de mundo. “O ponto em que parou quando morreu apontava para o coletivo, para a rede. Ele acreditava numa confluência de invenções que pudesse chacoalhar, deturpar e lançar a arte para um próximo ponto. Para Hélio, o artista que é inventor gera uma consequência, não faz uma obra para ficar parada em determinado ponto. Ele criou proposições para serem retomadas, revigoradas e desenvolvidas. O que vai vir? Aí temos que esperar o bolo crescer dentro do forno. Ele fez ali o ovo do novo. O novo vai explodir, mas a gente não sabe se é na semana que vem ou daqui a 20 anos”, sugeriu a curadora.
*O repórter viajou a convite do evento
fonte: http://www3.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/cultura/noticias/arqs/2016/02/0189.html